Takeshi Kitano nasceu em 18 de abril de 1947 no bairro de Umeshima em Tóquio. É o caçula dos quatro filhos de Kikujiro e Saki. Durante a sua infância no período do pós-guerra japonês, seu pai tinha que aceitar qualquer emprego disponível, trabalhando como pintor e decorador. Apesar de Takeshi e seus irmãos ajudarem no trabalho, Kikujiro gastava a maior parte do salário com bebidas para sustentar seu alcoolismo. Ficava violento quando bebia e batia na esposa e nos filhos. Kikujiro acabou saindo de casa.
Sua mãe, Saki, era muito rígida na educação dos filhos. Trabalhava sem parar, economizava cada centavo para comprar livros para as crianças. Apesar da vida muito humilde, pagava aulas de inglês e de caligrafia e punia os filhos se não fizessem os trabalhos direito. Apesas disso, era uma mãe muito carinhosa e sobretudo, muito devotada aos filhos. Takeshi lembra da falecida mãe como uma pessoa que estava sempre trabalhando e chorando.
Takeshi cresceu num dos mais pobres e violentos bairros de Tóquio, numa casa de apenas um quarto, com sua irmã, seus irmãos, sua mãe e sua avó. A vida era dura o suficiente quando seu pai morava com eles, mas depois de sua partida ficou ainda pior. Eram muito pobres. Takeshi e seus irmãos colocavam caixas de laranja na rua como mesas para estudar de baixo da iluminação pública à noite.
Assim, Takeshi tomou gosto pelos estudos, mostrando-se especialmente forte em matemática e artes. Queria ser um engenheiro e construir carros. passou no exame de admissão da prestigiosa Universidade de Meiji, mas logo que começou os estudos de engenharia, se destraiu com outras coisas da vida e seu sonho se tornou coisa do passado.
Takeshi começou a frequentar o bairro de Shinjuku, uma espécie de Quartier Latin de Tóquio, onde todo tipo de artistas e intelectuais se encontravam, buscando um dia fazer um nome. Foi nessa época que ele começou a se chamar a si mesmo de “futen”, aqueles que se rebelam contra a sociedade estabelecida e querem ser livres de qualquer teoria de valores. Um pouco como os “hippies” americanos da época, porém com uma tendência a mais para a “geração Beat”. Ouvia jazz, discutia sobre o existencialismo francês, arte e literatura. Para o desespero da mãe, abandonou a universidade no quarto ano.
Sem diploma, Takeshi Kitano teve que se sustentar com todo tipo de trabalho como garçom, vendedor, motorista de táxi, caixa do supermercado, etc., nos próximos anos. Conseguiu atingir o seu sonho de infância de escapar de sua origem, mas continuava sempre sem um tostão e sem rumo.
Em 1972, Takeshi mudou-se de Shinjuku para Asakusa, um bairro de entretenimento cheio de cinemas, teatros e casas de striptease. Queria se tornar um comediante. Queria ser o centro das atenções. Mas mais do que isso, o que ele realmente queria era cortar as raízes de sua origem e seguir a sua própria vida. Sempre que Takeshi achava alguma coisa engraçada quando era pequeno, a mãe lhe dava uma bronca dizendo que não era engraçado. Sempre que ele tentava se expressar ou expressar o que sentia, sua mãe proibia-o dizendo que não era adequado. Como um comediante só fala coisas engraçadas e se expressa muito, a escolha de ser um era um ato de desafio. Desafiar o passado se tornou um meio para a autorealização de Takeshi Kitano.
Um dia conseguiu um emprego como ascensorista de elevador numa casa de striptease onde também havia outras atrações como o manzai, um tipo de stand-up comedy muito popular no Japão, onde o comediante ou mais frequentemente a dupla de comediantes apresenta falas cômicas na frente do público. De ascensorista, foi promovido a mestre de cerimônias vestido de travesti e aprendiz do comediante principal da casa.
Um tempo depois de muita prática e muito treino, juntou-se com outro comediante, Kiyoshi Kaneko, para formar uma dupla de manzai. Após algum tempo sem sucesso nenhum, a dupla desenvolveu um novo estilo de fazer manzai, disparando obcenidades em altíssima velocidade e fazendo humor sobre os velhos, os feios, a morte, o sexo, o governo, os pobres, os camponeses e os assuntos da atualidade. Foi um sucesso instantâneo de público, mas atraiu igualmente muita crítica negativa, principalmente de grupos conservadores. O humor de “The Two Beats”, como a dupla foi batizada, não se tratava somente de ser vulgar, mas também de tocar na hipocrisia da sociedade rindo de assuntos que normalmente não são associados ao humor. A aparição da dupla na televisão causou furor e quanto mais eram criticados pelas suas obcenidades e falta de correção política, mais a massa a adorava.
No final dos anos 70, Kitano começou a diversificar e a atuar também sozinho, mostrando seu lado mais obscuro como humorista e como personagem. Nessa época ele também começa a atuar como ator em seriados sérios na televisão e a escrever livros. Eventualmente a dupla The Two Beats se desmancha no começo dos anos 80. Kitano, com o nome de “Beat Takeshi”, começou a fazer um sucesso estrondoso também como apresentador de programas humorísticos de televisão como o “Hyoukin-zoku” e criando personagens como o “Takechan-man”. Em 1986, ele sai da “Ota Productions”, agência da qual fazia parte desde 1974 e cria sua própria agência, a “Office Kitano”. Depois desses anos todos, Takeshi Kitano se tornou um fenômeno da televisão japonesa e ao mesmo tempo um personagem controverso, com episódios como a de sua prisão depois de ter entrado no escritório da revista de fofocas “Friday”, espancado a equipe e quebrado objetos por ter sido fotografado com uma suposta amante. Takeshi ficou 7 meses afastado do trabalho após o incidente, mas quando voltou, se mostrou mais popular do que nunca, apesar dos rumores de que seria banido da TV.
Apesar de agora ser o tão sonhado centro das atenções, Takeshi Kitano sentiu uma desilusão em relação ao mundo da televisão e se aproximou cada vez mais do cinema. Começou atuando em papéis pequenos mas parecia que os diretores e produtores só o queriam em papéis cômicos ou então, mesmo atuando como um serial killer ou estuprador, o público ria quando ele aparecia na tela só com a simples presença de Kitano. Para o público, ele era o “Beat” Takeshi. Frustrado com essa situação, continuou com seus trabalhos na televisão, escrevendo livros e atuando, até que um dia, o diretor de cinema Nagisa Oshima o chamou para atuar no filme “Merry Christmas Mr. Laurence” com Ryuichi Sakamoto e David Bowie. Kitano deu tudo de si no papel do sádico carcereiro do campo de concentração de prisioneiros de guerra, Hara e mostrou uma atuação brilhante e além do esperado. Durante a filmagem, Nagisa Oshima deu dois conselhos a Kitano: 1) sempre busque o papel de maior destaque e 2) deixe a comédia de lado e atue em papéis de vilões.
Seguindo os conselhos de Oshima, Takeshi segue sua carreira de ator mesmo sem o reconhecimento da indústria do cinema como ator sério, mas com ótimos papéis em seriados de televisão. Até que um dia, estréia como diretor de cinema por um desentendimento com o diretor original de um filme em que atuava. O diretor saiu da produção e Kitano assumiu o posto sem saber nada sobre técnicas de direção. Era o filme “Sono Otoko, Kyoubou ni Tsuki (violent cop)” (1989).
Depois de dirigir mais dois filmes, Kitano dirige o seu primeiro filme premiado, “Sonatine” (1993), um filme de yakuza, a máfia japonesa. Além de dirigir, ele também é o ator principal. Este é o filme em que Kitano, pela primeira vez, parece ter dominado a linguagem do cinema. Ele diz numa entrevista que “é com Sonatine que eu tenho a impressão de ter atingido o primeiro estágio como diretor de cinema.” Essa também é a razão pela qual o filme se chama “Sonatine”. Sonatine é um termo musical que significa pequena sonata, que é usada como simples peça educacional. Quando uma pessoa aprende a tocar piano, ela aprende a tocar vários tipos de peça. Quando ela adquire os conhecimentos básicos dessas peças, ela atinge o sonatine.
“Sonatine” foi ganhador do prêmio dos críticos do Festival du Film Policier de Cognac e do Festival de Cinema de Taormina. Foi apresentado no festival de Cannes em 1993 e foi recebido com muitos elogios. Este é o filme que lançou kitano no cenário internacional como diretor de cinema, embora em seu próprio país, o mesmo reconhecimento não tenha acontecido talvez até hoje.
Depois de “Sonatine”, Kitano bebia cada vez mais e tinha comportamentos autodestruidores e suicidas. Foi no auge desse momento que teve o acidente quase fatal de moto, em 1994. Hospitalizado durante 6 meses, ficou com o lado direito de seu rosto paralizado e parte de seus ossos faciais faltando. Seu rosto foi reconstruído posteriormente, mas ficou com algumas pequenas sequelas.
O acidente quase fatal transformou Takeshi Kitano e seu trabalho como diretor de cinema e foi em “Hana-bi” (1997) que pôde consolidar o seu novo e mais completo estilo. “Hana-bi” ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza e este é o seu filme mais pessoal e autoreflexivo, quase reminiscente. É sobre continuar em frente quando se acha que a vida está acabada. Sobre parar de viver no passado e se concentrar no que se tem hoje. Assim, Kitano também parece ter se livrado de seus demônios. Acabou o seu medo de envelhecer e acabar como um comediante decadente e até parou de se incomodar com a falta de reconhecimento no seu próprio país como diretor de cinema sério. Ele mesmo diz que o acidente, na realidade, foi uma dádiva desfarçada e que agora se sente novamente feliz trabalhando como humorista e com as coisas como são. Em outras palavras, Kitano cessou de querer controlar tudo e todos. Disse numa entrevista, “claro que ainda sou oficialmente o diretor, mas eu agora sei o suficiente para não interferir no curso natural do filme. Prefiro dizer apenas, ‘filme, vá na direção que desejar!’”
Depois de “Hana-bi”, Kitano filmou a comédia “Kikujiro no Natsu” (1999) (Kikujiro era o nome de seu pai) que foi apresentado em Cannes. Depois, Kitano partiu para Los Angeles para rodar “Brother” (2000), seu primeiro filme com uma equipe americana incluindo os atores, e nesse mesmo ano participou como ator de “Battle Royale” (Kenji Fukasaku, 2000), que se tornaria um cult movie.
Em seguida, filmou seu décimo filme como diretor, “Dolls” (2002). Cansado de retratar a violência e o mundo dos homens, Takeshi Kitano resolve fazer um filme sobre casais, cheio de amor e de cores. A estória originalmente foi inspirada no casal de mendigos unidos por um fio vermelho que takeshi via pelas ruas durante a sua infância. Ele não só ficou fascinado pelo amor que unia o casal mas também pelo aspecto irreal da estória. Quando viu os figurinos tão vívidos e coloridos desenhados pelo estilista Yohji Yamamoto, Kitano remodelou a estória para algo ainda mais irreal e cheia de simbolismos.
Para explorar a natureza do amor do casal, Kitano achou natural adaptar aspectos do teatro de Monzaemon Chikamatsu (1653-1724), dramaturgo japonês dos Séculos 17 e 18. Monzaemon escreveu dramas para o bunraku, teatro popular japonês de bonecos, todos sobre o amor trágico. No centro de seu trabalho habita o conceito do “destino aguardado”, um conceito fatalístico sobre a inabilidade do homem de escapar de seu destino.
Após “Dolls”, Kitano dirigiu “Zatoichi” (2003), “Takeshi’s” (2005), “Kantoku: Banzai!” (2007) e “Akiresu to Kame (Achilles and the Tortoise)” (2008).
Takeshi Kitano está mais velho. Uma sensação de calma envolve o diretor, apesar de continuar com seus programas humorísticos de televisão, escrevendo, pintando e atuando. Sempre transitando entre o “beat” Takeshi e seu lado mais sério Takeshi Kitano.
(livre tradução e adaptação do texto de Henrik Sylow para Kitanotakeshi.com, fevereiro 2005)