Arquivo da categoria: arte

AVANT-GARDE TOKIO

1978 | nasce a banda Yellow Magic Orchestra (Y.M.O.) com o seu 1º álbum “Yellow Magic Orchestra”
1979 | nasce o Walkman I | lançado o 1º single do Y.M.O. “Technopolis”
1980 | lançado o 2º single do  Y.M.O. “Rydeen”
1981 | nasce o Walkman II, o modelo que efetivamente “estourou” no mercado | a Comme des Garçons começa a apresentar sua coleção em Paris

“TOKIO, TOKIO… T. E. C. H. N. O. P. O. L. I. S., TOKIO…” transmitia para o mundo a voz de Ryuichi Sakamoto deliciosamente deformada pelo vocoder na faixa “Technopolis”, sucesso estrondoso de 1979 de Yellow Magic Orchestra. Não era 東京 (tou-kyou), e sim TOKIO (to-ki-ô). era o mesmo ano em que nascia o Walkman, aquele aparelho que revolucionou a maneira com que ouvimos música. Dois anos depois, uma outra revolução parte daquela Technopolis para o mundo, mais precisamente o da moda. A Comme des Garçons apresenta pela primeira vez a sua coleção na semana de moda de Paris em 1981, gerando um mar de controvérsias com suas roupas predominantemente pretas e de siluetas folgadas e assimétricas, numa época em que a moda feminina era concebida exclusivamente para ser sexy, colorida e “bonita”.

Há trinta anos, de uma cidade borbulhante do Extremo Oriente eram emitidos sinais de uma revolução em várias frentes que mudariam para sempre o estilo de vida das pessoas. Era o surgimento de um Japão que, passados os anos do alto crescimento econômico dos anos 60 e 70, subitamente tinha algo a dizer. Andando pelas ruas de Tóquio hoje, é muito fácil encontrar os vestígios de como esses vanguardistas moldaram a paisagem urbana dessa cidade.

Originalmente, a palavra “avant-garde” se refere ao batalhão de frente de uma tropa numa ação militar, aquele que avança corajosamente à frente para que o resto o siga com segurança. É exatamente no mesmo sentido que, a partir do Século XIX, o termo começou a ser usado dentro dos domínios da cultura. Avant-garde são os artistas e pensadores que, estando à frente da maioria, exploram terrenos novos com trabalhos inovadores e experimentais, guiando a cultura de seu tempo e muitas vezes promovendo uma profunda transformação social.

Ora, foi precisamente isso que aconteceu quando a Sony lançou o Walkman, o pequeno aparelho que cabe no bolso que permite que estejamos sempre com a nossa música a tiracolo, onde e quando quer que estejamos. Havia coisa mais atraente do que isso na época? A música era excitante, os jovens viviam a cultura da música intensamente e se pudessem, queriam ouvir música o tempo inteiro, até quando faziam jogging (era a febre do momento). O Walkman II, com seus headphones cor de laranja, realizou o nosso desejo e ainda por cima nos deu algo a mais, o tal do fashion appeal, tão importante naquela Technopolis. O sucesso não se conteve só em Tóquio, espalhando-se para todo o Japão, para os Estados Unidos e para o mundo. Surgia então um hábito antes inexistente, que é o de ouvir música individualmente e de maneira portátil. Uma revolução e tanto. Tanto foi que as outras empresas de áudio foram obrigadas a seguir o mesmo caminho. Até hoje a Sony lança seus novos modelos de Walkman, com tecnologia digital e design inovador. Sem dúvida, sem a criação da Sony, não teríamos a mesma paisagem de Tóquio de hoje, com jovens andando com headphones na cabeça como parte de seu estilo, tanto de vida quanto de moda.

O que Y.M.O., como o Yellow Magic Orchestra é mais conhecido, fez em seus cinco anos de vida, não só para o mundo da música mas também para o da moda e comportamento, não foi tão diferente. A banda de techno-pop de Ryuichi Sakamoto, Haruomi Hosono e Yukihiro Takahashi, sacudiu a cena musical japonesa com sua música ultra moderna usando e abusando do sintetizador e do computador, algo completamente novo naquele cenário da época. Mesmo fora do Japão, exceto pelo alemão Kraftwerk, era muito raro. Porém, a começar pelo nome, estava claro que Y.M.O. não era uma cópia da banda alemã. Yellow magic se referia a algo que não era nem magia negra nem magia branca, se posicionando como uma música feita por “amarelos”, criando uma música própria, moderna e tecnológica.

A banda inovou também na maneira de se apresentar no palco, com maquiagem, headphones e a enorme aparelhagem de sintetizadores. Seu conceito visual debochava a visão estereotipada que os ocidentais tinham dos orientais. O extraordinário é que a música deles era complexa e avançada o suficiente para influenciar o que viria a ser o hip hop e a música eletrônica e mesmo assim, teve uma aceitação maciça do povo japonês, desde crianças até os mais velhos. O sucesso foi tão grande que até o seu corte de cabelo, apelidado de techno cut, era copiado por muitos. Até na minha classe do último ano da escola primária (eu frequentava a escola primária pública Shinno, no bairro de Shirogane em Tóquio), tinha um menino com esse penteado.

A banda levou uma onda de fenômeno techno à sociedade japonesa. Não por acaso, o progresso tecnológico japonês na eletrônica, liderado pela Sony, estava em plena ebulição e como resultado, o Japão ganhou uma grande confiança naquilo que produz e lança para o mundo. O made in Japan agora era um selo de garantia de qualidade.

Esse vídeo é histórico e hilário! Vale à pena assistir apesar da péssima qualidade de audio e video.

Se a banda da magia amarela virou objeto de culto e continua influenciando novas gerações de músicos mesmo depois de um quarto de século após o seu fim (apesar de os três músicos frequentemente colaborarem em produções novas e apresentações com outros nomes), Rei Kawakubo reina até hoje no exercício do vanguardismo no mundo da moda. Quando estreou sua marca de roupas Comme des Garçons na semana de moda de Paris em 1981, os críticos e fashionistas em choque reagiram chamando a sua coleção desconstruída de Hiroshima chic e “pós-atômico”. Se a imprensa especializada não entendeu suas roupas um tanto masculinizadas, rasgadas e cheias de furos, o público aderiu em cheio, encontrando finalmente uma roupa confortável capaz de expressar uma individualidade e algo a mais do que simplesmente a beleza pré-estabelecida. Os anos 80 viriam a ser justamente a década da individualidade e a Comme des Garçons de Kawakubo abriu terreno para tal expressão através da roupa, alterando para sempre a paisagem da moda. Se na época era difícil conceber uma roupa para o dia inteiramente preta, hoje já é a coisa mais normal do mundo, graças à sobreposição do preto sobre preto que Kawakubo propôs. Isto é apenas um exemplo de sua enorme influência, que segundo o designer norteamericano Marc Jacobs, todo mundo sofreu, incluindo Jil Sander e Miuccia Prada, sem se esquecer dos belgas que vieram depois da onda japonesa como Ann Demeulemeester e Martin Margiela.

Passada a década da individualidade, a marca da atualmente sexagenária estilista atravessou os anos 90 com o mesmo vigor criativo, sempre inovando seus conceitos não só na coleção como também na imagem da marca como um todo, no design das lojas, na publicidade e até nas sacolas e embalagens nas quais os clientes carregam para casa as suas compras. Cultuada por uma enorme legião de fãs entre celebridades, fashionistas e público comum, entrou no século XXI como um gigante do vanguardismo fashion japonês, experimentando novos caminhos de existência com as guerrila stores (copiadíssimas por outras marcas) que têm prazo de validade de um ano nos locais mais inusitados para uma boutique em diversos países, com o Dover Street Market em Londres e com a criação de marcas de estilistas (Junya Watanabe e Tao Kurihara) que trabalhavam sob Kawakubo, dentro do mesmo guarda-chuva Comme des Garçons. Surpreendentemente, depois de 40 anos criando roupas, as coleções de Rei Kawakubo ainda hoje são ansiosamente aguardadas e alvo de muita atenção pela crítica na semana de moda de Paris.

Eu vi duas vezes a Rei Kawakubo andando nas ruas de Tóquio, surpreendentemente exatamente no mesmo lugar, atravessando a mesma Avenida Omotesando. Ela é magrinha e minúscula, anda rápido como todo mundo na cidade. Dentro daquele corpo leve e pequeno carrega um espírito gigante.

Texto originalmente escrito em agosto de 2009 como parte de um projeto cultural que não foi realizado.

Takeshi Kitano

Takeshi Kitano nasceu em 18 de abril de 1947 no bairro de Umeshima em Tóquio. É o caçula dos quatro filhos de Kikujiro e Saki. Durante a sua infância no período do pós-guerra japonês, seu pai tinha que aceitar qualquer emprego disponível, trabalhando como pintor e decorador. Apesar de Takeshi e seus irmãos ajudarem no trabalho, Kikujiro gastava a maior parte do salário com bebidas para sustentar seu alcoolismo. Ficava violento quando bebia e batia na esposa e nos filhos. Kikujiro acabou saindo de casa.

Sua mãe, Saki, era muito rígida na educação dos filhos. Trabalhava sem parar, economizava cada centavo para comprar livros para as crianças. Apesar da vida muito humilde, pagava aulas de inglês e de caligrafia e punia os filhos se não fizessem os trabalhos direito. Apesas disso, era uma mãe muito carinhosa e sobretudo, muito devotada aos filhos. Takeshi lembra da falecida mãe como uma pessoa que estava sempre trabalhando e chorando.

Takeshi cresceu num dos mais pobres e violentos bairros de Tóquio, numa casa de apenas um quarto, com sua irmã, seus irmãos, sua mãe e sua avó. A vida era dura o suficiente quando seu pai morava com eles, mas depois de sua partida ficou ainda pior. Eram muito pobres. Takeshi e seus irmãos colocavam caixas de laranja na rua como mesas para estudar de baixo da iluminação pública à noite.

Assim, Takeshi tomou gosto pelos estudos, mostrando-se especialmente forte em matemática e artes. Queria ser um engenheiro e construir carros. passou no exame de admissão da prestigiosa Universidade de Meiji, mas logo que começou os estudos de engenharia, se destraiu com outras coisas da vida e seu sonho se tornou coisa do passado.

Takeshi começou a frequentar o bairro de Shinjuku, uma espécie de Quartier Latin de Tóquio, onde todo tipo de artistas e intelectuais se encontravam, buscando um dia fazer um nome. Foi nessa época que ele começou a se chamar a si mesmo de “futen”, aqueles que se rebelam contra a sociedade estabelecida e querem ser livres de qualquer teoria de valores. Um pouco como os “hippies” americanos da época, porém com uma tendência a mais para a “geração Beat”. Ouvia jazz, discutia sobre o existencialismo francês, arte e literatura. Para o desespero da mãe, abandonou a universidade no quarto ano.

Sem diploma, Takeshi Kitano teve que se sustentar com todo tipo de trabalho como garçom, vendedor, motorista de táxi, caixa do supermercado, etc., nos próximos anos. Conseguiu atingir o seu sonho de infância de escapar de sua origem, mas continuava sempre sem um tostão e sem rumo.

Em 1972, Takeshi mudou-se de Shinjuku para Asakusa, um bairro de entretenimento cheio de cinemas, teatros e casas de striptease. Queria se tornar um comediante. Queria ser o centro das atenções. Mas mais do que isso, o que ele realmente queria era cortar as raízes de sua origem e seguir a sua própria vida. Sempre que Takeshi achava alguma coisa engraçada quando era pequeno, a mãe lhe dava uma bronca dizendo que não era engraçado. Sempre que ele tentava se expressar ou expressar o que sentia, sua mãe proibia-o dizendo que não era adequado. Como um comediante só fala coisas engraçadas e se expressa muito, a escolha de ser um era um ato de desafio. Desafiar o passado se tornou um meio para a autorealização de Takeshi Kitano.

Um dia conseguiu um emprego como ascensorista de elevador numa casa de striptease onde também havia outras atrações como o manzai, um tipo de stand-up comedy muito popular no Japão, onde o comediante ou mais frequentemente a dupla de comediantes apresenta falas cômicas na frente do público. De ascensorista, foi promovido a mestre de cerimônias vestido de travesti e aprendiz do comediante principal da casa.

Um tempo depois de muita prática e muito treino, juntou-se com outro comediante, Kiyoshi Kaneko, para formar uma dupla de manzai. Após algum tempo sem sucesso nenhum, a dupla desenvolveu um novo estilo de fazer manzai, disparando obcenidades em altíssima velocidade e fazendo humor sobre os velhos, os feios, a morte, o sexo, o governo, os pobres, os camponeses e os assuntos da atualidade. Foi um sucesso instantâneo de público, mas atraiu igualmente muita crítica negativa, principalmente de grupos conservadores. O humor de “The Two Beats”, como a dupla foi batizada, não se tratava somente de ser vulgar, mas também de tocar na hipocrisia da sociedade rindo de assuntos que normalmente não são associados ao humor. A aparição da dupla na televisão causou furor e quanto mais eram criticados pelas suas obcenidades e falta de correção política, mais a massa a adorava.

No final dos anos 70, Kitano começou a diversificar e a atuar também sozinho, mostrando seu lado mais obscuro como humorista e como personagem. Nessa época ele também começa a atuar como ator em seriados sérios na televisão e a escrever livros. Eventualmente a dupla The Two Beats se desmancha no começo dos anos 80. Kitano, com o nome de “Beat Takeshi”, começou a fazer um sucesso estrondoso também como apresentador de programas humorísticos de televisão como o “Hyoukin-zoku” e criando personagens como o “Takechan-man”. Em 1986, ele sai da “Ota Productions”, agência da qual fazia parte desde 1974 e cria sua própria agência, a “Office Kitano”. Depois desses anos todos, Takeshi Kitano se tornou um fenômeno da televisão japonesa e ao mesmo tempo um personagem controverso, com episódios como a de sua prisão depois de ter entrado no escritório da revista de fofocas “Friday”, espancado a equipe e quebrado objetos por ter sido fotografado com uma suposta amante. Takeshi ficou 7 meses afastado do trabalho após o incidente, mas quando voltou, se mostrou mais popular do que nunca, apesar dos rumores de que seria banido da TV.

Apesar de agora ser o tão sonhado centro das atenções, Takeshi Kitano sentiu uma desilusão em relação ao mundo da televisão e se aproximou cada vez mais do cinema. Começou atuando em papéis pequenos mas parecia que os diretores e produtores só o queriam em papéis cômicos ou então, mesmo atuando como um serial killer ou estuprador, o público ria quando ele aparecia na tela só com a simples presença de Kitano. Para o público, ele era o “Beat” Takeshi. Frustrado com essa situação, continuou com seus trabalhos na televisão, escrevendo livros e atuando, até que um dia, o diretor de cinema Nagisa Oshima o chamou para atuar no filme “Merry Christmas Mr. Laurence” com Ryuichi Sakamoto e David Bowie. Kitano deu tudo de si no papel do sádico carcereiro do campo de concentração de prisioneiros de guerra, Hara e mostrou uma atuação brilhante e além do esperado. Durante a filmagem, Nagisa Oshima deu dois conselhos a Kitano: 1) sempre busque o papel de maior destaque e 2) deixe a comédia de lado e atue em papéis de vilões.

Seguindo os conselhos de Oshima, Takeshi segue sua carreira de ator mesmo sem o reconhecimento da indústria do cinema como ator sério, mas com ótimos papéis em seriados de televisão. Até que um dia, estréia como diretor de cinema por um desentendimento com o diretor original de um filme em que atuava. O diretor saiu da produção e Kitano assumiu o posto sem saber nada sobre técnicas de direção. Era o filme “Sono Otoko, Kyoubou ni Tsuki (violent cop)” (1989).

Depois de dirigir mais dois filmes, Kitano dirige o seu primeiro filme premiado, “Sonatine” (1993), um filme de yakuza, a máfia japonesa. Além de dirigir, ele também é o ator principal. Este é o filme em que Kitano, pela primeira vez, parece ter dominado a linguagem do cinema. Ele diz numa entrevista que “é com Sonatine que eu tenho a impressão de ter atingido o primeiro estágio como diretor de cinema.” Essa também é a razão pela qual o filme se chama “Sonatine”. Sonatine é um termo musical que significa pequena sonata, que é usada como simples peça educacional. Quando uma pessoa aprende a tocar piano, ela aprende a tocar vários tipos de peça. Quando ela adquire os conhecimentos básicos dessas peças, ela atinge o sonatine.

“Sonatine” foi ganhador do prêmio dos críticos do Festival du Film Policier de Cognac e do Festival de Cinema de Taormina. Foi apresentado no festival de Cannes em 1993 e foi recebido com muitos elogios. Este é o filme que lançou kitano no cenário internacional como diretor de cinema, embora em seu próprio país, o mesmo reconhecimento não tenha acontecido talvez até hoje.

Depois de “Sonatine”, Kitano bebia cada vez mais e tinha comportamentos autodestruidores e suicidas. Foi no auge desse momento que teve o acidente quase fatal de moto, em 1994. Hospitalizado durante 6 meses, ficou com o lado direito de seu rosto paralizado e parte de seus ossos faciais faltando. Seu rosto foi reconstruído posteriormente, mas ficou com algumas pequenas sequelas.

O acidente quase fatal transformou Takeshi Kitano e seu trabalho como diretor de cinema e foi em “Hana-bi” (1997) que pôde consolidar o seu novo e mais completo estilo. “Hana-bi” ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza e este é o seu filme mais pessoal e autoreflexivo, quase reminiscente. É sobre continuar em frente quando se acha que a vida está acabada. Sobre parar de viver no passado e se concentrar no que se tem hoje. Assim, Kitano também parece ter se livrado de seus demônios. Acabou o seu medo de envelhecer e acabar como um comediante decadente e até parou de se incomodar com a falta de reconhecimento no seu próprio país como diretor de cinema sério. Ele mesmo diz que o acidente, na realidade, foi uma dádiva desfarçada e que agora se sente novamente feliz trabalhando como humorista e com as coisas como são. Em outras palavras, Kitano cessou de querer controlar tudo e todos. Disse numa entrevista, “claro que ainda sou oficialmente o diretor, mas eu agora sei o suficiente para não interferir no curso natural do filme. Prefiro dizer apenas, ‘filme, vá na direção que desejar!’”

Depois de “Hana-bi”, Kitano filmou a comédia “Kikujiro no Natsu” (1999) (Kikujiro era o nome de seu pai) que foi apresentado em Cannes. Depois, Kitano partiu para Los Angeles para rodar “Brother” (2000), seu primeiro filme com uma equipe americana incluindo os atores, e nesse mesmo ano participou como ator de “Battle Royale” (Kenji Fukasaku, 2000), que se tornaria um cult movie.

Em seguida, filmou seu décimo filme como diretor, “Dolls” (2002). Cansado de retratar a violência e o mundo dos homens, Takeshi Kitano resolve fazer um filme sobre casais, cheio de amor e de cores. A estória originalmente foi inspirada no casal de mendigos unidos por um fio vermelho que takeshi via pelas ruas durante a sua infância. Ele não só ficou fascinado pelo amor que unia o casal mas também pelo aspecto irreal da estória. Quando viu os figurinos tão vívidos e coloridos desenhados pelo estilista Yohji Yamamoto, Kitano remodelou a estória para algo ainda mais irreal e cheia de simbolismos.

Para explorar a natureza do amor do casal, Kitano achou natural adaptar aspectos do teatro de Monzaemon Chikamatsu (1653-1724), dramaturgo japonês dos Séculos 17 e 18. Monzaemon escreveu dramas para o bunraku, teatro popular japonês de bonecos, todos sobre o amor trágico. No centro de seu trabalho habita o conceito do “destino aguardado”, um conceito fatalístico sobre a inabilidade do homem de escapar de seu destino.

Após “Dolls”, Kitano dirigiu “Zatoichi” (2003), “Takeshi’s” (2005), “Kantoku: Banzai!” (2007) e “Akiresu to Kame (Achilles and the Tortoise)” (2008).

Takeshi Kitano está mais velho. Uma sensação de calma envolve o diretor, apesar de continuar com seus programas humorísticos de televisão, escrevendo, pintando e atuando. Sempre transitando entre o “beat” Takeshi e seu lado mais sério Takeshi Kitano.

(livre tradução e adaptação do texto de Henrik Sylow para Kitanotakeshi.com, fevereiro 2005)

Akira Kurosawa

O mais famoso de todos os cineastas japoneses responsável pela popularização do cinema de seu país, nasceu no dia 23 de março de 1910 em Omori, Tóquio. Quando jovem, Kurosawa pretendia ser pintor, mas conseguiu apenas reconhecimento como ilustrador de revistas e fazendo anúncios publicitários.

Kurosawa começou como assistente de produção de Kajiro Yamamoto e roteirista. Apaixonado pela literatura soviética, principalmente pelas obras de Tolstoi, Turgueniev e Dostoievski, e por cinema, influenciado pelo seu irmão mais velho, um benshi (narrador de filmes mudos), Kurosawa fez filmes deslumbrantes esteticamente e de grande profundidade psicológica em seus personagens. Seu primeiro grande sucesso foi “Rashomon” (1950), que recebeu o prêmio máximo no Festival de Veneza.

Após um período difícil em sua vida, sem o reconhecimento dentro de seu próprio país e em que chegou até a tentar suicídio, Kurosawa contou com o apoio de jovens diretores norte-americanos que admiravam suas obras como Coppola, Spielberg, George Lucas e Martin Scorsese, que o ajudaram a conseguir financiamento para seus filmes. Em 1989, Kurosawa recebeu um Oscar Especial da Academia pela sua carreira.

O diretor morreu num domingo de setembro de 1998. Sempre disse que queria acabar no set de filmagem. Faleceu aos 88 anos, em casa.

Principais filmes

“Sugata Sanshiro” (1940)
“Rashomon” (1950)
“Os Sete Samurais” (1954)
“Trono Manchado de Sangue” (1957)
“A Fortaleza Escondida” (1958)
“Yojimbo” (1961)
“Sanjuro” (1962)
“Céu e Inferno” (1963)
“O Barba Ruiva” (1965)
“Dodes’ka-den” (1970)
“Dersu Uzala” (1975)
“Ran” (1985)
“Sonhos de Kurosawa” (1990)
“Rapsódia em Agosto” (1991)
“Madadayo” (1993)

Apresento aqui dois dos meus favoritos, “Dodes’ka-den” e “O Barba Ruiva”.

1. “Dodes’ka-den” (1970)


Primeiro filme em cores de Kurosawa, “Dodes’ka-den” baseou-se em “A Cidade Sem Estações”, uma coletânea de contos de Shugoro Yamamoto. O filme não tem um enredo propriamente dito. Trata-se de uma série de episódios sobre as vidas de favelados unidos por sua convivência num dia-a-dia duro e desesperadoramente triste. o título do filme se refere ao barulho feito pelo trem imaginário do personagem Rokkuchan, um garoto que corre pelas ruas na ilusão de que está conduzindo um bonde.

Assim como ele, todos os outros personagens do filme suportam as condições miseráveis em que vivem através de fantasias impossíveis. Nesses sonhos, eles colocam o que a vida poderia e deveria ser. Porém, eles não podem fazer mais nada, além de imaginar. O grupo é liderado por Tamba, um velho artesão e um espírito bondoso que compreende e perdoa tudo. Um personagem que “amadureceu como um sujeito bom e honesto ao longo de sua vida e alcançou a posição do homem mais velho, maduro e experiente”, segundo o diretor.
Diferentemente dos filmes anteriores de Kurosawa, em “Dodes’ka-den” não aparece mais uma figura dominante, um líder no qual se centraliza o filme, que consegue superar o insuperável. Neste filme Kurosawa abandonou a glorificação de indivíduos supremos e focalizou a coragem e a resistência dos fracos e esquecidos. A fantasia e a ilusão são os únicos meios que os personagens têm de suportar a realidade. A cura para todo o mal está além de suas forças. Para o nostálgico Kurosawa, a imaginação como valor em si oferece momentos moralmente superiores e mais autênticos que os fatos brutais da “vida real”.

Tamba é o único personagem realizado em “Dodes’ka-den”, mesmo não sendo um samurai poderoso capaz de realizar façanhas sobre-humanas. Ele consegue colocar-se plenamente no lugar de seus vizinhos confusos e sofridos e essa capacidade faz dele o herói. Ele nunca julga as pessoas de seu mundo, mas aceita-as e socorre-as. Kurosawa revela que é fácil demais julgar pelas aparências. Somente as pessoas envolvidas numa dada experiência podem dar testemunho de sua natureza pois, muito frequentemente, as aparências enganam. As superfícies da realidade dizem muito pouco da complexidade da consciência.

Como em muitos filmes de Kurosawa, a interpretação é bastante estilizada. Seus personagens são percebidos exclusivamente em termos de suas paixões dominantes, um método que se adequa muito bem à visão do diretor da vida fragmentada e atordoada dos pobres. Kurosawa vê as fugas para a fantasia como heróicas e ao mesmo tempo desesperadas. O caráter lírico de “Dodes’ka-den” vem do respeito e da admiração de Kurosawa diante da capacidade humana de suportar dificuldades dessa grandeza enquanto encontra uma maneira de tirar prazer de alguns momentos passageiros.

Fazer do amor uma realidade é a condição para a sobrevivência e para a redenção qualquer que seja nossa situação e não importa quão rude a nossa vida. Esse tema aplica-se tanto aos atos morais dos heróis de seus primeiros filmes, quanto aos atos da consciência celebrados como um fim em si mesmos em “Dodes’ka-den”. Com personagens tão cercados de dor, Kurosawa não obstante resiste a qualquer queda de sentimentalismo. As cores vivas refletem em si mesmas a noção de que, mesmo para os mais aflitos, a vida vale a pena ser vivida. Mas as pessoas de “Dodes’ka-den”, apesar da abundante capacidade de fantasia, cada qual só consegue ver a perspectiva estreita de seus próprios empenhos (com exceção de Tamba). Essa incapacidade de ver além de nossa dor pessoal é a resposta que Kurosawa dá em “Dodes’ka-den” para a pergunta que permeia todos os seus filmes: “Por que as pessoas não podem ser mais felizes juntas?”.

A valorização da experiência pessoal do indivíduo, sua valorização em seus próprios termos, sempre foi uma característica central das melhores obras de Kurosawa. “Dodes’ka-den” conquista seu lugar entre essas na medida em que esse tema é fundamental também nele, mesmo que o diretor não tenha mais fé na nossa capacidade de ampliar nossa visão e a partir daí criar um mundo melhor.

(fonte: “Os Filmes de Kurosawa” de Donald Ritchie)

2. “O Barba Ruiva” (1965)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Masato Ide, Ryuzo Kikushima, Akira Kurosawa, Hideo Oguni
Dir. Fotografia: Asakazu Nakai, Takao Saitô
Elenco: Toshirô Mifune, Yuzo Kayama, Tsutomu Yamazaki, Reiko Dan, Miyuki Kuwano

Sinopse
“O Barba Ruiva” é considerado testemunho divino para humanidade. Esta é a história de um tumultuado relacionamento entre um médico jovem e arrogante e o piedoso diretor da clínica. Toshiro Mifune, em seu último filme com Kurosawa (Mifune e Kurosawa formaram a dupla de diretor-ator mais famosa de todo o cinema japonês), está em grande forma e impecável como o ilustre professor que ensina a seu amargurado médico residente a respeitar e apreciar as vidas de seus pacientes desamparados. Captando com perfeição o visual e sentimentos do Japão do Século XIX; esta obra é uma viagem no tempo, nos locais e na emoção.

Comentário do estudioso do cinema Stephen Price
Este filme sobre médicos trabalhando numa clínica pública do século XIX marca o final do período mais brilhante e prolífico de Kurosawa como diretor de cinema. é o seu último filme em preto e branco e a úlitma vez que trabalhou com Toshiro Mifune.

O filme foi um sucesso no Japão, porém tem sido subvalorizado no Ocidente. É um filme grandioso em que Kurosawa mostra pela última vez o tipo de herói, como o kambei de “Os Sete Samurais” e o Watanabe de “Viver”, que serviria como um exemplo a ser seguido, e a necessidade de ajudar os outros, elementos centrais de suas obras desde o final da década de 1940. Depois disso, não teria mais heróis em seus filmes e seu trabalho entra numa fase muito pessimista que durou durante as próximas duas décadas. Com “O Barba Ruiva”, Kurosawa encerra muito do que foi inspirador no seu cinema e só por essa razão o filme já mereceria uma atenção. Mas também é uma obra prima do cinema; o diretor estava trabalhando no auge de seus poderes e criou imagens e episódios que se aproximam do sublime. Isto inclui a cena do terremoto (Kurosawa testemunhou o terrível terrmoto de 1923 que arrasou a cidade de Tóquio) e as cenas do leito de morte dos dois pacientes da clínica, Sahachi e Rokusuke, filmados com mistério e um senso de majestade.
— Stephen Prince

Assim como o post anterior, resgatei o texto acima, que fazia parte de um projeto cultural que não foi realizado, em vez de deixá-lo engavetado.

klkl

um dia de maio

escapade

on the move

A seda de Khmer

Oiticica em chamas

De todas as análises e reflexões que li sobre a perda de grande parte das obras de Hélio Oiticica por um incêndio na semana passada, essa do Fabio Cypriano da Folha de SP foi para mim a mais, vamos dizer, iluminada… Fez-me pensar no quanto o mercado da arte pode destruir uma obra artística. Talvez os parangolés estavam pedindo para serem queimados, já que estavam mofando dentro de um quarto esperando ser chamado por algum museu para serem pendurados feito fantasma. Talvez aquelas “originais” já estivessem destruídas antes mesmo do incêndio…

“Por mais triste, lamentável e trágica que possa ser, a perda de praticamente todo o acervo do artista Hélio Oiticica representa, finalmente, o fim do fetiche pelo material em suas obras e a libertação de suas ideias.
Oiticica foi um dos mais originais e importantes artistas do século 20. Sua defesa em romper os limites entre arte e vida foi das mais radicais, mas apenas nos últimos 20 anos passou a ter o merecido reconhecimento e repercussão.
Dois momentos fundamentais nesse percurso foram a Documenta, em Kassel (Alemanha), em 1997, que mostrou muitos de seus projetos e obras, e a 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, organizada por Lisette Lagnado a partir de conceitos do artista, mas que já nem exibiu objetos do artista, para atestar que suas ideias estavam proliferadas no circuito da arte.
No entanto, enquanto suas ideias ganhavam importância, um certo desvio de suas propostas também crescia. Oiticica queria que os Parangolés, um de seus mais importantes conceitos, que tinham nas capas uma de suas materializações, fossem usados por todos.
No entanto, o fetiche pelo original -que em seu caso é o menos importante, acabou dominando e em muitas mostras essas capas eram vistas penduradas como tristes espectros de algo muito mais vital.
Do ponto de vista do mercado, algo semelhante ocorria. As obras passaram a subir de preço exponencialmente, enquanto para o artista, durante sua vida, isso não era o fundamental, e seu trabalho passou a ser engessado naquilo que justamente ele criticava: o objetual.
Claro que é inacreditável que tudo tenha se esvaído dessa forma, até porque é a segunda vez que um incêndio destrói um acervo importante no Rio: foi assim que grande parte da coleção do Museu de Arte Moderna do Rio foi perdida, em 1978.
Claro que é lamentável que o precioso acervo de Oiticica não estivesse preservado da forma como merecia, numa instituição, mesmo que já existisse o Centro de Arte Hélio Oiticica, criado pela Prefeitura do Rio, palco de recentes polêmicas.
Durante um bom tempo, parte do que se queimou esteve lá armazenado e poderia estar a salvo. Mas isso faz parte da precariedade institucional que é típica no Brasil e das dificuldades que envolvem herdeiros em casos do tipo.
Recentemente, o Ministério da Cultura havia iniciado contatos para a criação de um museu Hélio Oiticica. Mas, essa institucionalização, se por um lado seria fundamental para preservar sua memória, poderia representar um risco ao institucionalizar sua obra, algo sempre contestado pelo artista.
Em Porto Alegre, artistas que participam da 7ª Bienal do Mercosul lamentavam ontem a perda desse acervo, mas também comentavam que parecia ser uma estranha vingança pelo tratamento que sua obra vinha ganhando.
Agora, se já não há mais original, então todos podem criar seu Parangolé. Felizmente, grande parte de seu acervo foi digitalizado e encontra-se disponível no site do Itaú Cultural, num dos mais importantes projetos de memória da arte brasileira. Os originais -e são milhares deles, pois tudo o que Oiticica pensava era obsessivamente descrito em seus cadernos- podem estar queimados, mas conseguiram sobreviver na internet, onde todos podem ter acesso, como o artista queria que fosse sua obra.” (Fabio Cypriano | Folha de São Paulo)

parangolé morto (ou só a sua casca)

parangolé morto (ou só a sua casca)

parangolé vivo

parangolé vivo

Bordeaux

Cheguei hoje em Bordeaux para a inauguração do EVENTO BORDEAUX 2009, mais precisamente para acompanhar a LUANDA, SMOOTH AND RAVE, um projeto angolando dentro do evento bordalês. Acompanhem neste blog que estou montando junto com a Claudia Veiga, o desenrolar da exposição + eventos culturais (teatro, dança, conferência, gastronomia, música).

Que cidade linda. Ela foi totalmente restaurada recentemente e passou por uma reurbanização muito bem feita. Estou passada porque a bateria da minha camera chegou sem carga, não consegui fazer nenhuma foto hoje… Amanhã preciso sem falta comprar o adaptador do meu carregador… Depois que conseguir fazer isso, vou encher aqui de fotos.

A exposição está incrível. É arte contemporânea angolana dentro do Grand Théâtre, que tem uma arquitetura neo-clássica do século 18, toda restaurada, cheia de dourados e retratos e esculturas. O contraste entre dois universos. Principalmente quando se sabe que a cidade de Bordeaux se enriqueceu do açúcar da época da escravatura, as obras que estão na exposição se tornam ainda mais releveantes, notadamente as mais polêmicas como as do Nástio Mosquito.

Agora já é quase uma da manhã, cheguei hoje depois de 12 horas de vôo sem conseguir dormir, então, vou me aprofundar mais sobre esses assuntos (que super merecem) numa outra altura. Amanhã tem mais! Amanhã é a inauguração do próprio EVENTO 2009 e sábado é o nosso dia.