kareha

De um lado, minha avó. 93 anos, não ouve bem e enxerga só de um olho. Anda devagar, mas com as costas bem retas. A mente funciona muito bem. Talvez o ego (no sentido junguiano) também.

De outro lado, uma outra velhinha. 83 anos. A mãe do marido da minha mãe. Tem a doença de Alzheimer. A memória dura aproximadamente 5 segundos ou menos, para as coisas novas. Em compensação, sabe exatamente sua data de nascimento e seu nome de solteira. Agora se tornou a filha de seu filho. É ele quem cuida de sua fralda, pergunta se quer ir ao banheiro… Voltou à infância. Mas será? Tenho minhas dúvidas, mas o comportamento é de criança mesmo.

Foi com elas que convivi esses ultimos dias de transição entre um ano e outro. É muito curioso conviver com idosos. Não estava acostumada. São tão diferentes, os jeitos de envelhecer. Minha avó não se conforma com sua falta de audição. Acho que tem muito orgulho, não quer colocar aparelho. Diz que o aparelho faz ouvir coisas que não quer também. Ela não consegue superar o físico. Acha o fim se não conseguir mais andar. Repara muito no aspecto físico das pessoas. Mas talvez por isso não desiste de sair de casa, ir às compras e subir a pé a ladeira íngrime do ponto de ônibus até a sua casa. É esse caminho que fortaleceu suas pernas, tenho certeza. Até eu fico sem fôlego. Faz as tarefas diárias da casa. Mas também diz que não tem mais vontade de comprar nada, a comida não tem mais gosto e não tem com quem conversar. Fica emburrada quando não consegue acompanhar as conversas. Não consegue ouvir. Vou pesquisar sobre os aparelhos mais modernos, tenho certeza que existe algum modelo que lhe sirva. Ainda mais aqui no Japão.

A outra velhinha, a Sra. Aiko, tem mais humor. Ela canta e ri. É fofa e pede desculpas pra tudo. Dobra origami muito bem. Nesses últimos 3 dias, já perguntou quem eu era e de onde eu vim umas 100 vezes. Ficou intrigada comigo. Ela, já, não está mais nem aí com o físico. Já superou. Talvez nunca tenha sido apegada a esse aspecto da vida mesmo. Tomamos banho juntas no onsen, ela, minha mãe e eu e foi tudo. Minha avó não quis. Ela tomou no quarto. Diz que gosta de tomar banho e entrar no futon logo em seguida.

Pelo menos eu aprendo a ser tolerante e a entrar em outro ritmo quando estou com elas. Nossos universos são diferentes demais, não é fácil manter uma conversa por muito tempo… Mas talvez seja um jeito de usar minhas outras personas. Mas as duas não se falam muito. Uma não ouve o que a outra diz e a outra esquece o que ela diz em questão de segundos…

11 Respostas para “kareha

  1. Adorei, Sachi 🙂
    Iria adorar ouvir uma corversa das duas “avós”.
    Uma percepção bem diferente de tudo.
    Feliz ano novo para vc e toda sua family!

  2. Ótimo seu texto e ótima sua percepção das duas senhoras. Um antagonismo meio “Lúcifer & Ahriman”. Muito interessante! Pense sobre seu papel entre elas.

  3. elas são tudo. a oba aiko é mais street.

  4. Adorei ler este post! Adorei a forma como retratou cada uma delas. “Uma não ouve o que a outra diz e a outra esquece o que ela diz em questão de segundos”… Se isto não era tudo o que a gente queria em muitos momentos da nossa vida???

    Feliz Ano do Tigre, Sachi!

  5. Bee, babado a sua avó é muito vaidosinha, adorei a mãe do marido da sua mãe, ela foi clubber, com certeza, perdeu a memória e ri de tudo. Que história mais linda sobre construção da tolerância. Beijo!

  6. a vida é muito fantastica, nós dá muito aportunidade de aprendizado, observação, que bom adorei todos temos idosos, e realmente nao é tao simples construir, tolerancia , aceitação etc…
    grata por compartilhar
    tania

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