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Trienal de Luanda & Trienal de Arquitectura de Lisboa

obra do Fernando Alvim que fica na entrada do escritório da FSD. gosto muito dela.

Fernando Alvim

Bom, já faz uma semana que voltei de Luanda. Está na hora de escrever um pouco sobre o que vivi lá né. Slow-blogging também tem limite, rs. É assim, pra quem não sabe, faz um ano que eu trabalho com arte contemporânea africana, mais precisamente com a Fundação Sindika Dokolo, situada em Luanda, Angola. Eu coordeno alguns projetos e o escritório da Fundação aqui em São Paulo. A FSD é baseada numa coleção africana de arte contemporânea e é idealizadora e produtora da Trienal de Luanda entre outros eventos de cultura contemporânea na África e no mundo.

Passei um mês em Luanda na sede da Fundação para trabalhar nos projetos da II Trienal de Luanda 2010. Cheguei lá no dia 26 de maio de manhã bem cedo, às 4 horas da manhã.

entrada do escritório que fica no prédio do Hotel Globo

entrada do escritório que fica no prédio do Hotel Globo

Já naquela tarde, depois de dar uma descansada, fui ao  escritório novo da FSD.  Estava programado para acontecer a conferência de imprensa anunciando a II Trienal de Luanda 2010 (daqui pra frente, chamada de II TL). Que ótimo, junto com os jornalistas, eu também vou poder me inteirar melhor, já no primeiro dia.

escritório da Fundação Sindika Dokolo em Luanda, pouco antes da conferência de imprensa

escritório da Fundação Sindika Dokolo em Luanda, pouco antes da conferência de imprensa

Conferência de imprensa anunciando a II Trienal de Luanda 2010

Conferência de imprensa anunciando a II Trienal de Luanda 2010

Marita Silva, diretora da FSD, e Carlos Antunes, arquiteto angolano falando sobre sua participação na II TL

Marita Silva, diretora da FSD, e Carlos Antunes, arquiteto angolano falando sobre sua participação na II TL

depois da conferência, algumas jornalistas ficaram para conversar melhor sobre a II TL.

depois da conferência, algumas jornalistas ficaram para conversar melhor sobre a II TL.

Depois desse evento, o próximo significativo foi, depois de uns dias, a visita do pessoal da Trienal de Arquitetura de Lisboa. José Mateus e Delfim Sardo chegaram antes e um dia depois, o João Luis Carrilho da Graça. José Mateus é arquiteto e diretor da Trienal de Arquitetura de Lisboa. Foi ele o idealizador e conceptor do evento.

José Mateus

José Mateus

Ele dirige o seu ateliê de arquitetura ARX junto com o irmão, Nuno Mateus. Além da sua prática como arquiteto no ateliê com vários prêmios conquistados, leciona, profere palestras em diversos países, é coordenador e autor de uma revista de arquitetura e integra diversos júris de prêmios de arquitetura no mundo, inclusive na Bienal de Arquitetura de São Paulo de 2003.

Dono de uma fala calma e clara, é um apaixonado pelos filhos, pela filha caçula (a Trienal), pelo trabalho e pela gastronomia, em especial a japonesa. A cada refeição em que dividíamos a mesa, ele me falava de uma receita que gostava de fazer.

site do ateliê do José Mateus, ARX

site do ateliê do José Mateus, ARX _ http://www.arx.pt/index.php com incríveis projetos residenciais

Casa do Romeirão premiada com primeiro lugar do Prêmio Muncipal de Arquitetura de Mafra, na categoria de “Edifícios Novos”.

projeto premiado da ARX _ Casa do Romeirão, primeiro lugar do Prêmio Muncipal de Arquitetura de Mafra, na categoria de “Edifícios Novos”. (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

Delfim Sardo é o curador da próxima Trienal de Arquitetura de Lisboa, também em 2010 como a Trienal de Luanda. Inclusive, as duas trienais nasceram no mesmo ano, 2007 e as duas são TL, só confirmando as conexões intrínsecas entre elas. Sardo estudou filosofia na Universidade de Coimbra e se dedica à curadoria e aos ensaios sobre arte contemporânea.

Também muito calmo mas estampando um gentil sorriso no rosto, mostrava o entusiasmo que sentia em estar em Luanda e em contato com a nossa trienal. O ensaísta e curador, que também é docente universitário, diz que tem um especial interesse pela relação entre a arquitetura e a arte, a arte e o espaço.

“Pessoalmente tenho muito interesse na arquitectura, na espacialidade, nos campos activos no desenvolvimento das artes. Nos últimos anos, o espaço e o corpo são a grande matéria da arte” (http://forum.jokerartgallery.com/index.php?topic=335.msg647#msg647)

Delfim Sardo

Delfim Sardo

Nosso primeiro contato foi na casa do Fernando Alvim, numa noite regada a vinhos e conversas informais porém, bem construtivas, no sentido de troca de experiências entre as duas trienais e até mesmo sobre os projetos de colaboração para 2010. No dia seguinte no escritório, houve a apresentação formal e mais detalhada das duas trienais, com a participação de todos da FSD.

assistindo à apresentação da Trienal de Arquitectura de Lisboa

assistindo à apresentação da Trienal de Arquitectura de Lisboa

assistindo à apresentação da Trienal de Arquitectura de Lisboa

FSD

Nesse fim do dia, chegou em Luanda o João Luís Carrilho da Graça, arquiteto português de grande destaque e curador do projeto específico sobre Luanda para a 2ª Trienal de Arquitetura de Lisboa. Além de arquiteto, Carrilho da Graça dirige os departamentos de arquitetura de duas universidades em Portugal.

Encontrei uma ótima entrevista com ele de 2004 em que o entrevistador é o José Mateus e é sobre a casa que Carilho da Graça projetou de Julião Sarmento, artista português cujos trabalhos foram objeto de ensaios de autoria do Delfim Sardo.

Vale a pena visitar o site e conhecer os trabalhos daquele que é tido como o arquiteto referência de Lisboa pelo próprio José Mateus. Admirei em especial a Escola Alemã de Lisboa e a Escola Superior de Música de Lisboa. Muito interessante também o Centro de Controle Operacional de Brisa, com a sua fachada toda coberta de painéis solares.

Escola Alemã de Lisboa

Escola Alemã de Lisboa (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

Escola Alemã de Lisboa

Escola Alemã de Lisboa (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

interior da Escola Alemã de Lisboa

interior da Escola Alemã de Lisboa (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

Escola Superior de Música de Lisboa

Escola Superior de Música de Lisboa (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

Escola Superior de Música de Lisboa

Escola Superior de Música de Lisboa (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

interior da Escola Superior de Música de Lisboa

interior da Escola Superior de Música de Lisboa (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

interior da Escola Superior de Música de Lisboa

interior da Escola Superior de Música de Lisboa (fotografia: FG + SG - Fotografia de Arquitectura)

Um doce de pessoa, João Luís Carrilho da Graça concedeu uma entevista para a revista “A Vida” do jornal angolano “O País” que resultuou numa ótima matéria sobre o projeto de colaboração entre as duas trienais, sua trajetória e sua visão sobre arquitetura.

Essas três grandes personalidades demonstraram enorme interesse pela Trienal de Luanda e pela cidade. Passamos um dia inteiro percorrendo a cidade de carro, visitando as arquiteturas e conhecendo melhor a cidade. Para mim, que só conhecia a baixa de Luanda, foi incrível também poder fazer esse tour logo no começo da minha estadia.

primeira parada do tour. esse lugar é inacreditável! um antigo cinema a céu aberto, agora desativado. tem uma atmosfera impressionante. Fernando Alvim diz que assistia grandes filmes aqui, com um fundo de céu estrelado... fiquei só imaginando qual incrível devia ser.

primeira parada do tour. esse lugar é inacreditável! um antigo cinema a céu aberto, agora desativado. tem uma atmosfera impressionante. Fernando Alvim diz que assistia a grandes filmes aqui, com um fundo de céu estrelado... fiquei só imaginando quão incrível devia ser.

a cidade de Luanda

a cidade de Luanda

tour pela cidade de Luanda

tour pela cidade de Luanda

o famoso prédio livro, um prédio residencial com esse nome por causa do formato

o famoso prédio livro, um prédio residencial com esse nome por causa do formato

pausa para o almoço na Ilha de Luanda

pausa para o almoço na Ilha de Luanda

o trio da Trienal de Arquitectura de Lisboa

o trio da Trienal de Arquitectura de Lisboa

na Ilha de Luanda

Delfim Sardo e a Ilha de Luanda

no final do dia, o trio da Trienal de Arquitectura de Lisboa participou do programa de rádio Zwela produzido pela FSD e que acontece semanalmente aos domingos. foi uma ótima entrevista!

no final do dia, o trio da Trienal de Arquitectura de Lisboa participou do programa de rádio Zwela produzido pela FSD, apresentado pelo Jomo Fortunato e que acontece semanalmente aos domingos. foi uma ótima entrevista!

mais conversas regadas a vinho e com apresentação da música do NEXT com direito a incrível voz da Angela Mingas

noite de despedida na casa do Fernando Alvim, mais conversas regadas a vinho e com apresentação da música do NEXT com direito a incrível voz de Angela Mingas

... José Mateus, Carlos Antunes e Marita Silva...

José Mateus, Carlos Antunes e Marita Silva

... terminando a noite na beira do mar.

... terminando a noite na beira do mar.

O entusiasmo de todos, das duas trienais, rendeu muitos frutos, de enorme valor. Valor humano, cultural, social e acima de tudo, afetivo. Esqueci de dizer que o conceito, ou melhor, a base da próxima Trienal de Luanda é “Geografias Emocionais – Arte e Afectos”. O que começou como um primeio encontro entre as duas trienais, acabou se tornando um grande laço de amizade e colaboração. Para mim, foi um enorme privilégio ter participado dessa conexão, que viria a ser a primeira de outras a seguir.

Acho que o que realmente me fascina nas viagens é, acima de tudo, penetrar nos diferentes mundos das tão diversas pessoas. É por isso que eu amo tanto viajar. Claro, as cidades, os lugares, os cheiros e as comidas também me hipnotizam, mas o que me comove tanto mais são as tão diferentes e fascinantes pessoas e seus universos.

Ainda vou falar mais sobre a Trienal de Luanda, mas por hoje, quis destacar essa  primeira troca entre as duas cidades baseada no afeto que presenciei.

Bienais, Bienais, Bienais…

Demorei pra postar como foi a conferência na Bienal. É que eu sou adepta do slow-blogging, kkkk. Diz que agora é moda, nos moldes dos Slow Food, Slow isso e aquilo, é um movimento de bloggers sem pressa, que se distancia do imediatismo dos blogs usuais. Sem saber, eu fazia parte do movimento. (é claro que não tô nem aí pra movimento nenhum. eu só não tenho tempo mesmo pra postar todo dia!)

Bom, a conferência de sábado passado na Bienal foi sobre como pensar e realizar uma Bienal no meio de tantas outras Bienais e Trienais que pipocam no mundo todo. Parece que existem mais de 200! Esta fazia parte de um ciclo de 6 conferências para refletir e discutir esse modelo de mostra artística, inclusive, eu acho, como um meio de encontrar um caminho para a própria Bienal de SP que se encontra numa espécie de crise.

Os conferencistas eram o Fernando Alvim, idealizador da Trienal de Luanda, o Richard Armstrong, hoje diretor do Guggenheim e durante 16 anos diretor do Carnegie Museum of Art em Pittsburgh onde realizou as mostras da Trienal Internacional de Carnegie, Gabriel Pérez-Barreiro, curador da última Bienal do Mercosul em Porto Alegre e Justo Mellado, realizador da Trienal do Chile, com Ivo Mesquita como mediador.

Richard Armstrong, Fernando Alvim, Ivo Mesquita, Justo Mellado e Gabriel Pérez-Barreiro

Richard Armstrong, Fernando Alvim, Ivo Mesquita, Justo Mellado e Gabriel Pérez-Barreiro

Essa Bienal, tendo sido tão criticada (eu mesma dei umas detonadas… mas o Fernando Alvim me alertou sobre o perigo de tanta crueldade, tanta crítica negativa sem uma análise mais aprofundada direcionada a um fenômeno que é da própria sociedade, uma bienal é fruto da própria existência humana dentro daquela sociedade. Foi o que entendi que ele quis dizer e agora super concordo. Só que ainda mantenho muitas críticas: como assim, a Bienal não se manifestou pra tentar tirar a menina que está presa por ter pichado o 2º andar do vazio?? A menina está presa na Penitenciária Feminina Sant’Ana no Carandiru há 40 dias por ter pixado uma parede que só precisou depois ser pintada de branco novamente. Bem absurdo, isso. E como fica o tema “em vivo contato”?), talvez tenha um grande mérito por ter tido a iniciativa de refletir e discutir sobre o seu modelo de existência, ouvindo as experiências de outras Bienais, cada qual com suas especificidades.

Realmente, as experiências dos 4 conferencistas eram bem distintas. A Trienal de Carnegie, por ser uma Trienal de um museu (da cidade natal do Andy Warhol, por sinal), a palestra de Armstrong foi mais uma apresentação sobre o próprio museu, sua história e suas particularidades, mais do que propriamente a Trienal em si.

A Trienal de Luanda, por ser uma Trienal concebida por um artista, na capital de um país que acabava de sair de uma guerra, onde toda a população tinha sede de arte e cultura e de refletir sobre si-mesmos através da arte. Também por ser uma Trienal que tem data marcada para terminar, sua duração é de 3 edições, sendo a de 2010 a segunda. Isso é porque a Trienal de Luanda não se considera um fim e sim um meio, um processo, um caminho para aprofundar a prática da arte contemporânea na sua cidade. Sua extensão será um belíssimo projeto de um centro cultural de arte contemporânea em Luanda. Essa Trienal tem também como característica não acontecer apenas durante o seu tempo de duração de cada edição, que é de 3 meses, mas a sua organização realiza centenas de outros eventos pré-Trienal como preparativo.

Fernando Alvim falando sobre a Trienal de Luanda, que teve mais de 40mil visitantes na sua primeira edição. Olha quanta gente!

Fernando Alvim falando sobre a Trienal de Luanda, que teve mais de 40mil visitantes na sua primeira edição. Olha quanta gente!

A Trienal de Luanda realmente me parece ter sido (por enquanto só teve uma, a primeira) uma experiência emocional, com uma certa sensação de mobilização de toda a sociedade, da iniciativa privada e do governo (este entrou com apoio moral, pois quem bancou os custos foi inteiramente a iniciativa privada, permanecendo uma Trienal independente do governo). Como eles não tinham locais adequados para as exposições, tiveram que localizar espaços vazios e abandonados, abordar seus proprietários e convencê-los com a proposta de reforma-los para o uso da Trienal e depois devolve-los reformados. O aluguel seria a reforma. Todos toparam e apoiaram essa iniciativa e a organização fez um trabalho incrível de restauração dos espaços.

slide de um dos espaços restaurados para a Trienal de Luanda

slide de um dos espaços restaurados para a Trienal de Luanda

Assim como a Bienal do Mercosul, a Trienal de Luanda coloca bastante ênfase nos programas educativos, onde atenderam mais de 100 escolas, fazendo um acordo com as empresas de ônibus que transportavam as crianças para visitar a mostra.

Fernando Alvim falando na frente de uma imagem sobre o programa educativo da Trienal de Luanda

Fernando Alvim falando na frente de uma imagem sobre o programa educativo da Trienal de Luanda

ass artes cênicas como música, teatro e dança também tem presença na Trienal de Luanda

ass artes cênicas como música, teatro e dança também tem presença na Trienal de Luanda

A Trienal do Chile, por sua vez, me pareceu distinta por ser uma Trienal de um país inteiro e não de uma cidade, como é mais usual. O Justo Mellado explicou a enorme dificuldade de se fazer uma mostra de arte cotemporânea num país onde, segundo ele, quase não existe colecionador e tampouco museu de arte contemporânea. Também por ser um país comprido e estreito, de Santiago para o Norte é uma coisa e de Santiago para o Sul é uma outra história, parece. Ele enfatizou muito o conservadorismo daquela sociedade, o que confirma a reclamação que eu ouvia do meu amigo Daniel que morou lá durante 3 anos. De fato Santiago não combina muito com arte contemporânea, mas acho que esse contraste é que é interessante e com certeza se eles forem persistentes, pode acontecer coisas incríveis, de expressão contemporânea, talvez principalmente nos locais mais afastados das cidades, naquelas paisagens incríveis que eles têm lá.