Kendell Geers é um artista sulafricano nascido em maio de ’68. Pelo menos é o que ele diz. Digo isso porque parece que ele “trocou” sua data de nascimento para essa data tão marcante representada pelos protestos estudantis de Paris mas também pela morte de Duchamp, na Bienal de Veneza de ’93. Ganhou notoriedade urinando na fonte de Duchamp, mas isso é pouco para o seu impressionante currículo que se seguiu depois, com participações em bienais e trienais ao redor do mundo e inúmeras exposições coletivas e solo igualmente importantes e internacionais com suas performances, instalações e video.
A estética de Geers é post-punk pop contemporâneo, quase o oposto da vitoriana de Yinka Shonibare, do meu post anterior, mas isso é só na superfície. Quando se abre a porta de entrada, a decorativa, a do estilo, vê-se que os dois artistas têm muito em comum, a começar pela maestria na arte da subversão. Geers coloca constantemente em dúvida a noção estabelecida do bem e do mal e vislumbra a possibilidade de reverter tal noção.
Kendell Geers dedicou os anos 90 denunciando o Apartheid, o racismo, a insegurança e a violência vividas pelos economicamente, politicamente e socialmente dominados. Novamente em semelhança com Shonibare, trata do colonialismo real e cultural nas suas questões. Geers usa o canibalismo do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade (“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”) como metáfora para a incorporação daquilo que é alheio, assim como uma representação da violência extrema que se vê nas sociedades contemporâneas. Na sua exposição solo intitulada “Kannibale” do ano passado em Paris, Geers colocou na entrada uma réplica da estátua grega de Nike de Samotrácia coberta com a padronagem fuck que já é sua marca registrada. A estátua grega original, por sinal, está canibalizada pelo Louvre.
Kendell Geers, que viveu exilado da sua terra natal por ter recusado a servir o exército do Apartheid e só retornou depois que Mandela foi libertado, diz numa entrevista que a sua própria trajetória o empurra a viver de forma extrema e que o fruto disso é a sua arte. Afirma que provavelmente um dia irá tão longe a ponto de morrer dela. O terror, a violência, a opressão, o abuso de poder. A banalização da violência pela mídia. Todos esses métodos que o artista denuncia são os que ele utiliza em sua arte.
Por debaixo da estética ultra contemporânea, a arte de Geers traz várias camadas de referências históricas e significados e faz renascer figuras das mitologias antigas e religiosas com uma nova roupagem, literalmente (e simbólicamente também, é claro).
Ele diz que a imagem mais violenta e mais erótica jamais produzida é a do crucifixo e que tem inveja de quem a criou. O momento criativo que ele mais se esforça em atingir é aquele onde atração e repulsão se unem, tornando-se um. De novo, aqui, faz ressonância com o discurso de Yinka Shonibare. A união dos opostos. Estou começando a achar que a resposta da África para o mundo é essa, o fim da dicotomia, pelo menos no que diz respeito à arte contemporânea.
Uma ótima entrevista em video para entender os fundamentos de sua arte: http://vodpod.com/watch/836319-kendell-geers-baltic
Site oficial do artista: http://www.panaesthetik.com/
Video “Fucking Summer”: http://vodpod.com/watch/357775-fuckin-summer-2007/
Vídeo da exposição “Kannibale”: http://vernissage.tv/blog/2007/11/22/kendell-geers-kannibale-yvon-lambert-paris/
Vídeo da exposição “Irrespektiv”: http://www.culture.lyon.fr/culture/sections/fr/musees__expositions/actualites/kendell_geers_au_mac